A Planta em Forma de Cruz

 

A construção da catedral de Évora baseia-se claramente numa planta idêntica à simbólica românica com a forma da cruz latina que representa o corpo humano de Jesus: a capela-mor corresponde à cabeça; o transepto aos braços e a nave aos membros inferiores e ao tronco, tudo inscrito numa cruz [Nota. MH, CRC, 4ª ed., 2005; p. 72]. A igreja simboliza, por isso, uma estrutura perfeita onde se desenrolam efeitos que conduzem à perfeição humana. É, por isso, um espaço rico de símbolos e de significados, revelados uns, ocultos outros, e todos, todos com diversos níveis de significação.

A fachada principal é formada por três corpos distintos. Os dois corpos laterais são constituídos por duas impressionantes torres quadradas, de construção desigual mas com a mesma altura (40 metros) e idêntica largura. [Deão Alcântara Guerreiro, A Catedral de Évora; 1975, p. 9].

É impressionante a grandeza destas duas torres defensivas assim como a linha de ameias que corre sobre a janela que ilumina o coro.

Na geometria sagrada, todos os traços geométricos têm um significado oculto. Independentemente da unidade de medida usada, os sistemas de proporção usavam os modelos ad quadratum, que tem por base o quadrado como símbolo da terra e dos quatro elementos, e as formas ad triangulum, que derivam do triângulo equilátero como símbolo do ternário divino. [Tim Wallace-Murphy, A Mensagem por Detrás dos Símbolos, p. 127; Verso da Kapa, 2006].

O modelo ad quadratum tem por base o quadrado (na geometria plana), e a pirâmide de quatro faces (na geometria espacial). O quadrado é o símbolo do mundo visível, com as suas três dimensões, aquele em que decorre a nossa evolução espiritual. Mas o ser humano tem latente a possibilidade de conhecer outras dimensões ainda insuspeitadas para o homem comum. [Nota. MH, CRC, p. 155] De facto, existem outros planos de consciência, coexistentes com o mundo físico e que se interpenetram. Essas realidades vão desde as quatro dimensões até às sete dimensões. Nessas dimensões, a noção corrente do tempo e de espaço dilui-se completamente. Essa realidade está relatada no que nos diz aquele episódio bíblico que descreve o “arrebatamento” de Elias, que “subiu” ao céu “sem morrer” (2 Rs 2, 11).

Se a Terra é representada pelo quadrado (e pelo cubo), já o Céu é simbolizado pelo círculo (e pela esfera) tendo ambos um simbolismo análogo ao do esquadro e do compasso, pelo que o formato quadrangular das torres, associado ao grande óculo que se encontra por cima do janelão gótico com oito luzes, não pode senão referir-se à passagem do estado humano, representado pela Terra mas sim ao estado supra-humano representado pelo Céu (ou pelos céus). Isto é: refere-se à passagem que vai desde o domínio dos “mistérios menores” para o domínio dos “mistérios maiores”[Nota. MH, CRC,  p. 327].

Na união entre o quadrado e o círculo está simbolizada uma figura única que se realiza na chamada “quadratura do círculo”. O esquadro e o compasso têm um simbolismo equivalente quando sobrepostos. [Nota. Lima de Freitas, Almada e o Número, p. 125; Arcádia, 1997].

Como o círculo simboliza a esfera celeste, e o quadrado o plano terrestre, representam estes símbolos, quando unidos, a unidade da manifestação divina. Na realidade, o quadrado, como símbolo do terreno, não é o exato oposto do plano celestial, mas sim uma manifestação divina porque a Terra não está separada do Céu! Voltaremos a este assunto quando analisarmos o zimbório…

A torre do lado Norte é encimada por uma pirâmide forrada de azulejos. Tem cinco janelas, que correspondem a diferentes pisos interiores. A torre sineira, do lado Sul, tem uma janela ogival, igual e simétrica com a da torre norte. Na altura dos sinos abrem-se três frestas de volta perfeita e, sob elas, existe o relógio de quartos, cuja existência remonta a cerca de 1600.

A parede frontal, acima da galilé, é constituída em toda a largura por um janelão gótico com oito luzes, a que já nos referimos, composto este por quatro arcos mainelados e um grande óculo liso, coroado por ameias chanfradas. [Nota. Deão Alcântara Guerreiro, A Catedral de Évora, 1975, p. 9-10.] [Nota. Galilé: Pórtico espaçoso que precede a entrada de grandes igrejas. O m. q. alpendre, nártex].

O pórtico, no alto da escadaria, tem seis arquivoltas e um “apostolado”, um conjunto de estátuas dos doze apóstolos sobre colunas em mármore como figurantes de uma encenação didáctica que tende a representar, no seu conjunto, a complexidade do percurso de espiritualização ao longo das doze divisões espácio-temporais. Estes doze sectores, ou signos do zodíaco (simbolizado por um duodenário que resulta da multiplicação dos quatro elementos (fogo, ar, terra, água) pelos três princípios alquímicos (enxofre, sal e mercúrio), assinalam também o futuro humano e o desenvolvimento perpétuo do Universo. [Nota. Jean Chevalier, Alain Gueerbrant, Dicionário de Símbolos, Círculo de Leitores, 1997, p. 272]

 

Viagem Iniciática

 

Entremos, então, pelo pórtico principal. A entrada no templo associa-se ao despertar da consciência nos planos superiores. E, por isso, simboliza o encontro consciente com Deus que não se pode efectuar por um movimento “excêntrico”, ou por um êxtase, mas sim por uma  viagem “ad intra”, isto é, por uma viagem ao nosso interior. Essa viagem é iniciada como uma busca do nosso próprio eu, onde reside a essência de Deus, que se inicia da periferia para o Centro, das trevas para a Luz.

O simbolismo da nave central está associada à natureza física humana, à sua estrutura fisiológica, à energia que anima e circula ao longo da coluna vertebral e que vai impulsionando o ser para níveis de consciência mais subtis, ou “elevados”, chamados de graus místicos ou extáticos. Só por ignorância é que se poderá admitir que as energias que animam os crentes de uma confissão religiosa sejam diferentes das que animam os de qualquer outra religião ou escola iniciática. As únicas diferenças, muitas vezes geradoras de conflitos inúteis, devem-se apenas às técnicas usadas para atingir esses estados de consciência, de acordo com os diferentes percursos religiosos ou escolas esotéricas. [Nota. MH, CRC, p. 376; Iniciação Antiga e Moderna, 1999, pp 97-107; Pierre Weil, Fronteiras da Evolução e da Morte, p. 32-33}]

 

Gravura: Planta da Sé

 

À esquerda vemos o baptistério formado por uma pequena cela de tecto pintado a fresco com lambris de azulejo. A grade foi ali colocada em 1519.

O Mar de Bronze (ou Mar Fundido) do antigo Templo de Mistérios Atlantes, onde se dispunha de água magnetizada como veiculo para auxílio o povo (1Rs 7, 23-36), transformou-se no baptisterium, isto é, num espaço reservado dentro do templo para a pia baptismal [MH. IAM. 1999,  pp. 25-28;  MH, MAÇONARIA E CATOLICISMO, 1997, p. 11.]

À nossa frente estende-se todo um espaço majestoso composto por 3 naves: uma, central, de rara elegância, e duas laterais, mais estreitas.

O comprimento total, interior, é de 70 metros [Nota: Túlio Espanca, Évora, Livraria Nazareth; 1959, p. 21]. A nave central tem 19 (9+1=10) metros de altura, 6 metros de largura e 7 tramos. As naves laterais são mais estreitas: têm 4 metros de largura, com 9,40 metros de altura. O comprimento de cada uma das 3 naves é de 41 (4+1=5) metros, este comprimento é superior ao de qualquer outra catedral portuguesa.

O número sete simboliza o movimento da vida, no espaço e no tempo, serve também como chave para interpretar o Apocalipse, de S. João, que nos diz assim: [O sete] “Era também o número de suprema importância para os sistemas religiosos e iniciáticos de todas as civilizações anteriores a Jesus, de origem mesopotâmica, egípcia, grega, celta e romana”. [Nota: Tim Wallace-Murphy, Cracking the Symbol Code - The Heretical Message Within Church and Renaissance Art; Watkins Publishing, 2005, pp. 86 ss.]. Também nas “Bodas Químicas” de Christian Rosenkreutz, um dos três manifestos rosacrucianos (1616), está descrito, em linguagem alquímica, o processo de iluminação espiritual no decorrer de um período de sete dias. [Nota. Bernard Gorceix, La Bible des Rose-Croix, p. 119 ss; Presses Universitaires de France, 1970].

[Nota. Nave: compartimento longitudinal de uma igreja que vai do portal principal ao cruzeiro. Tramo: parte da abóboda compreendida entre duas colunas.]

As três naves são cortadas pelo transepto, que tem 32 (3+2=5) metros de comprimento e 6,70 de largura. [Nota: Transepto: nave transversal que corta a nave principal e lhe dá a forma de cruz. O corpo comum à nave e ao transepto é o “cruzeiro” do Templo.]

Neste cruzeiro existe um zimbório octogonal que, exteriormente, tem a forma de uma pirâmide, reforçada nos ângulos por pirâmides mais pequenas. [Nota: Zimbório é a superfície curva que reveste ou cobre a cúpula ou a abóboda. Trata-se do sector externo ou aparente da cúpula].

O número oito, ou octógono, é interpretado simbolicamente como sendo algo que está a meio caminho entre o quadrado, a base quadrangular das torres (a Terra), e o círculo (Deus), representado pelo óculo da parede frontal e pela secção semicircular da capela-mor.

Por isso, relaciona-se este número com Jesus e com o seu contributo para unir Deus à Terra. “O número oito é formado por dois zeros. O zero representa o infinito, deste infinito não se conhece nem princípio nem o fim. Pitágoras, um iniciado Rosacruz, chama ao número oito “a harmonia do universo” (Deus), a inspiração divina, a música das esferas, etc. É também o número da protecção. O número oito também nos fala das coisas concretas e dos quatro elementos com que se forma tudo quanto é concreto. [Nota. Francisco Marques Rodrigues, RR nº 278, Outubro, Novembro e Dezembro de 1980, p. 12 ]

No que respeita ao comprimento do transepto, de 32 m. (3+2=5), devemos ter em conta que o número 5 está associado aos quatro elementos do corpo físico (fogo, terra, ar, água), ao espírito vivificador (o quinto elemento). A sua figura simbólica é o pentagrama que simboliza o corpo humano.

A capela-mor, original, gótica e de planta poligonal, tornou-se demasiado pequena para que nela se desenrolassem os pontificais solenes do início do Renascimento. Por isso, em 1669, resolveu-se alterar o traçado original. [Nota: O Renascimento provocou a decadência das antigas confrarias de pedreiros “operativos”. CF. Lima de Freitas, Almada e o Número, p. 56, Arcádia, 1977] Esta alteração, que mereceu o apoio de D. João V, ficou concluída em 1746. Foi mestre desta alteração o arquitecto João Ludovico que é o mesmo artificie que construíra o Palácio de Mafra, já nosso conhecido. O estilo empregado foi o neo-clássico. Este é um estilo mais virado para a imitação consciente da Antiguidade. Este estilo surgiu no século XVIII como uma reacção aos excessos do barroco. Não admira, pois, que na grandiosidade desta obra se identifiquem sinais da herança simbólica egípcia.

Um dos símbolos que fez parte integrante da vida religiosa do Antigo Egipto e que chegou até nós, para muitos o mais importante, é a “cruz ansata” (ankh). Esta é uma cruz cujo braço horizontal assenta na parte inferior de uma base oval, esse era um antigo atributo dado a Ísis.

Há uma correlação directa entre os rituais, as práticas, os costumes religiosos egípcios e aqueles que foram adoptados por Moisés e pelos seus seguidores que depois vieram a influenciar o cristianismo, isto é, o culto egípcio de Ísis e de Osíris, em franco desenvolvimento já no Império Romano.

Na época helénico-romana, difundiu-se por todo o Mediterrâneo o culto a esta deusa da fertilidade, a deusa mais popular do Egipto. Ísis, que rivalizou — e influenciou —, durante muito tempo, com o cristianismo. [Nota. Alfred Loisy, Los Misterios Paganos y el Misterio Cristiano; Ediciones Paidós Ibérica, Barcelona, 1990; Claude-Brigitte; Carcenac-Pujol; Jesus, 3000 Años Antes de Cristo; Plaza & Janés Editores, SA, Barcelona, 1991.]

A adição da ábside semicircular como remate da nave central configura a forma da cruz egípcia, o ankh. [Nota. Ábside: construção de planta semicircular situada no eixo longitudinal da nave central que faz parte da capela-mor].

A cruz é um dos símbolos mais antigos e mais amplamente difundidos. No cristianismo, simboliza geralmente o sofrimento em virtude do suplício de Jesus. Todavia, a cruz também é o símbolo da regeneração. O signo egípcio da cruz de argola, ou cruz ansata, simboliza a vida universal presente em tudo o que existe. Tanto a cruz latina como a egípcia representam a vida, isto apesar de pertencerem a culturas diferentes (o seu equivalente hermético é o símbolo de Vénus).

Fruto da conquista de povos pagãos da Europa (e de muitos outros países), o cristianismo não eliminou totalmente, porém, as religiões locais e antigas. O cristianismo foi-se lentamente fundindo com elas e foi gradualmente absorvendo as tradições e os rituais locais bem como as imagens mitológicas. O cristianismo representa, ao mesmo tempo, um passo em frente em comparação com os cultos antigos porque conseguiu unir as massas em torno de uma ideia comum, a ideia de igualdade, embora compreendida abstractamente.

 F.C.

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