Uma experiência de cinema de autor na literatura.
Viagens na noite e nos acasos da noite.
Cenas de corpos acesos na fúria de viver.
Decadências, prazer, o fugaz de uma madrugada passada, como imagens de um filme transparente,
histórias da vida real, trechos de um Portugal profundo.
histórias da vida real, trechos de um Portugal profundo.
Night 13/7/2017
Zita.
Olhos negros pintados, perfume boquiaberto, saia justa e vontade de dançar. Abana-se toda junto à coluna branca. Anseia por um orgasmo líquido na noite nua dentro do Verão. Bebe um copo de licor Beirão. Conspira com as amigas de cabelos longos sobre
se Paulo é ou não homem. Não sei, diz a Carla de olhos baixos, disse-me que vinha mas até agora… É rico? perguntou a Clara
de vestido verde. É, o pai é ministro… E Daniela diz um gracejo e todas riem.
Zita sente-se mais mulher sob a lua cheia. Respira um doce perfume
cor-de-rosa e tem os braços nus macios como uma
deusa de mármore.
Paulo chega.
Os amigos como moscas em redor. Dizendo coisas sem jeito e telemóveis na mão. Paulo molha os lábios e conta algumas
notas da carteira. A puta… pensa. E lembra-se de
Gina, a doida mansa. A que toma comprimidos e adora fazer amor no duche com a água morna. Sonsa… Gina dormiu demais, levanta o olhar para mesa da
cabeceira e desistiu, não saio esta noite, e
volta a meter a cabeça mole na almofada, coça a perna, roça o corpo no lençol branco e dorme agora. Paulo está de pé numa fotografia junto à mesa.
Paulo está na discoteca e olha
Zita à distância. Vê-a entre as amigas a sorrir silenciosa de copo na mão. Parece feliz.
Duro, o chato, de pescoço alto e olhos escuros
diz de repente:
Paulo, acho que vou terminar com a Joana…
E falam de futebol até o D.J. mudar de música.
Isabel, a índia, entra na pista.
Como quem entra na água fria fica com os
sapatos vermelhos sobre os mosaicos brancos e negros do chão. Fecha os olhos e começa a dançar sozinha.
Tudo baila.
“Viva la vida loca!!!”
E sorri a Paula de aparelho nos dentes.
Sérgio olha o relógio e sente-se um atrasado mental. Tanta miúda e eu aqui a falar de jogos de computador. E
pensa nuvens cinzentas…
Filipa espera a mãe chamar no telemóvel. Mandou mensagem e agora não sabe o que fazer. João tenta meter conversa com ela mas ficou sem
argumentos. Escuta a música e finge estar a
gostar…
“Viva la vida loca!!!”
Serafim beija Sandra apaixonadamente na boca. Mete a mão nas coxas dela e sente o odor a parfum Berlioz
junto ao sofá escuro. A música e o charro mergulharam-no num torpor de êxtase diabólico…
Ronaldo marca um golo na televisão.
Braços no ar e alguns
gritos.
O relógio parou no pulso de
António, o tipo da musculação que é gay, depilou as pernas três vezes a tem a consulta
de Reiki para a semana. Cheira a Armani e tem lenços cor de rosa no bolso. Cospe para o chão e quer que lhe chamem Michelly. Mãe tenho direito!!! E a mãe chora de noite. O pai ao lado na cama resmunga
ensonado, mais valia que fosse drogado… Desligam a televisão e vão dormir depois do programa do Celsinho. Ninguém acha piada a nada daquilo, mas tem audiência… diz a mãe, panilas, resmunga o pai roncando maldisposto…
A um canto Francisca, de cabelos castanhos e odor a óleo de bebé Johnson.
Mulher, se visses o Chico… Nem sabe a quantas anda…
O que lhe aconteceu?
Roubou um carro e deixou-o na estrada alguns quilómetros depois, as portas abertas no meio do monte
e foi gritar por liberdade em cima das pedras…
Está maluco?
Não sei, quando bebe fica
assim…
Luís estava calmo, pegou na
mão na Manuela e levou-a até à pista. Dançaram e esfregaram-se um no outro. Trocaram de
perfumes nos corpos. Ele beijou-a e achou que ela sabia a mentol.
Fernando era atrasado mental. Não tinha consciência disso, tatuagem de
uma âncora no braço e bebia como um campeão comendo pão com chouriço. Ao quinto copo de
vodka comunicava com o presidente dos Estados Unidos telepaticamente. E via os
jogos do FBI nos espelhos da bola colorida em cima da pista rodando brilhos.
“Viva la vida loca!!!”
Foda-se Miguel!
E caía um maço de tabaco no chão.
O filho do dono da discoteca passava num triciclo junto ao pátio de cimento. Pi Pi. E buzinava de olhos azuis,
a desejar ser um piloto de foguetões, vendo as cores das
luzes da discoteca a deslizar nas paredes ao longe.
Fred és um canastrão!
E Lia ria, gorda como um camarão, de sapatos pretos e
pernas inchadas, a dizer coisas muito depressa como as ciganas atarefadas numa
feira foleira.
Fred és um chibo…
E o Fred sorria, apertando a gravata do smoking alugado. O gel rebrilhava no cabelo
e sentia-se forte. Ainda tenho força para a possuir? - pensava
ele caminhando decidido segurando uma rosa que lhe deu o tailandês lá fora, qué frô?, e Fred sorriu, engato
a gaja e foda-se… Vem! E pegou na mão de Lia e cheirava a lixívia ali, Vamos! Saíram os dois e ninguém deu por nada.
“Viva la vida loca!!!”
A luz foi abaixo…
OHHHHHH!!!
Alguns risos e frases desconexas.
"Pedimos desculpa mas vamos ter de finalizar a festa…"
Era David, o dono.
E toda a gente saiu a comentar, eram três e vinte da manhã.
Tá calada Isa!
Ficou tudo silencioso no automóvel com o cheiro a
estofos no ar.
Não venho mais aqui!
Porra Manel deixa o tabaco!
Manuel atira o cigarro aceso para uma poça de água suja.
Puta de vício…
E saem alguns automóveis dali.
Fernanda está espantada. Ainda tinha
dinheiro na carteira.
Vamos comer um hambúrguer no Mac?
E tinha um hálito a cebola quando
fazia SCHHHH na palhinha para sorver a Coca-Cola como uma mosca má.
Fernanda, acabou…
E Fernanda já sabia, o tipo não valia nada, foi-se embora a pé pela rua, cinco da manhã junto aos muros da fábrica. Coçou o braço, meteu as chaves na
porta e entrou. Os pais estavam ainda a dormir…
Ó loirinha, vê se te despachas…
E ela com a mão para cima e para baixo
no membro hirto.
Ahhhhhhhh disse ele depois fechando os olhos.
Ela abre a porta do carro e atira o lenço de papel molhado com vida para a estrada.
O mar brama ao longe…
“Viva la vida loca!!!”
Desliga o rádio!
E o automóvel continuou
atravessando a madrugada. Telma vai cansada no banco de trás. A cabeça baixa e os olhos fechados…
Foda-se Telma acorda!
Luana abre a janela e atira o cigarro para estrada.
O automóvel em andamento.
Seis da manhã e o sol vai nascer lá nos montes.
Vês o céu?
Estás toda mocada…
Vamos embora…
Zita!
Vamos embora…
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