“Quando um sábio aponta para a lua, o
imbecil olha para o dedo.”
O filósofo
Noutro dia encontrei um filósofo.
Tinha a barba grande e andava pelas estradas com a
pele bronzeada de muitos meios dias passados a caminhar sozinho.
Parou à minha frente.
Disse-me que ia para Santiago de Compostela só
como um lobo manso.
Ficamos a conversar no sol morno.
Ainda me lembro das palavras que me disse:
"Andando pela rua de uma cidade qualquer, não
me lembro o nome, fui vendo nas montras de certas lojas um apelo ao consumo tão
forte que me parecia estar a caminhar por entre teias tecidas para me apanhar
desprevenido.
As aranhas estavam nas lojas, silenciosas.
Que sociedade do consumo desenfreado é esta que
nos vende o sentido da vida como sendo o ter a todo o custo, o ter de ter êxito
a todo o custo, a sede pelo poder a todo o custo, a sede pelo dinheiro a todo o
custo, o ter de ser celebridade a todo o custo para poder ter uma vida feliz?
O ápice da existência parece ser o ter servos que
nos obedeçam, o ter símbolos de estatuto e de poder que nos façam parecer
grandes perante os nossos semelhantes, é ter seguidores e multidões a
elogiar-nos e a bendizer tudo o que fazemos.
É o culto do parecer sem o ser.
Isso tudo e poder comprar, sim, poder comprar desenfreadamente
para ter e mostrar.
Para ter o quê?
Para mostrar o quê?
O poder de um carro não é o de ser luxuoso mas sim
o poder chegar ao destino.
Estamos soterrados por um espólio ferrugento de
máquinas e mercadorias, de coisas novas que depois já não o são, de vaidades de
bruxa má com o espelho partido depois de verificada a nossa pequenez, a nossa impermanência
e a nossa transitoriedade neste mundo.
E as multidões, veja bem, são cegos conduzindo
outros cegos, impreparadas, dizem opiniões ruidosas segundo as modas sem lei nem
ordem por entre fazedores de opinião que forjam na persuasão o que o meu
tribunal da razão não tem tempo para discernir.
E decidem sobre o meu bem e o meu mal...
Spin doctors e sofistas pensam por
nós.
Vivemos por entre anúncios de publicidade e de
política…
Olhando para ecrãs, perdidos em labirintos de
imagens e sons construídos para nos entreter, somos voyeurs de tudo como crianças num parque de diversões, somos como narcisos
que olham para espelhos na Disneylândia.
Criticamos tudo como o roto que fala do rasgado.
Empobrecendo alegremente em filas sucessivas de
trânsito e em repartições à espera que a burocracia tenha tempo para nós.
Numa sala de espera esperando que o Estado faça
por nós o que nós não conseguimos fazer por ele.
E neste rol de coisas, vamos para onde?
Para a rampa deslizante do abastado vazio…
Vivemos numa sucata a dar cabo da Natureza.
Sem a procura de um sentido os sentidos que as
multidões nos dão são cataventos desgovernados.
Homem, conhece-te a ti mesmo, entra no teu
silêncio e cava o teu poço na tua consciência para não passares sede neste
deserto.
Procura em ti e na tua experiência as causas do
bem e do mal e nunca desistas de procurar a verdade.
Estamos no caminho do sol e isto não vai parar.
Caminhamos sobre as águas da impermanência e da
mudança e se não sabes nadar morres no pântano da tristeza anémica…
Temos de mudar constantemente para permanecer
neste mundo cada vez mais rápido, cada vez mais incerto, cada vez mais
complexo…
O longo prazo não existe, temos sempre de estar a
criar e a ajustar à medida que caminhamos, progredir é querer sempre fazer uma
melhoria a cada dia, cada dia deve ser melhor do que o anterior.
O que queremos é sempre coisas convenientes,
confortáveis e conhecidas mas as grandes transformações só aparecem fora da
nossa zona de conforto.
Aí, como consequência do esforço, aparece a
dignidade.
E a dignidade, aparece não para quem possui
honrarias mas na consciência clara de que houve alguém que as mereceu.
Meu amigo, o que interessa não é o que você
critica ou elogia, mas o que você faz ou não faz…
Num mundo de excessivo mediatismo, toda a nossa
atenção é capturada pela imagem, pelo espetáculo e pelo glamour.
A excessiva procura da necessidade económica
reduz-nos a aduladores, à luxúria e à ambição.
A excessiva mediatização substituiu a experiência
subjetiva das pessoas da vida real deixando-as segmentadas, isoladas e
fragmentadas, enfim, fechadas pelos seus próprios pensamentos e desejos.
A fuga ao isolamento e a esta alienação leva
muitas vezes à violência contra a diferença e a singularidade…
Estranhos tempos estes…
Chega-se à conclusão que um homem deve cavar o seu
poço, construir as suas muralhas e plantar árvores, ou seja, cada um deve
conhecer-se a si mesmo corrigindo-se, fazer bem a si mesmo e fazer bem aos
outros…
Essa foi a conclusão a que cheguei depois de
revista a minha experiência nesta caminhada e provadas todas as cambiantes do
sabor das minhas lágrimas…
Fiquei em silêncio a ouvi-lo, e de repente, as
suas palavras vieram como oiro fino aparecendo fulgurantes por detrás dos seus
olhos escuros:
"Para que é que você nasceu?
Essa é a grande questão.
Responda-a com sinceridade e um dia pode vir
caminhar comigo.
Para fazer isso imagine-se no seu leito de morte, e
então, pergunte a si mesmo:
O que é eu realmente gostaria de ter alcançado na
minha vida?
Depois, tenha a coragem de fazer aquilo que pensou!
Isto é uma grande caminhada até Santiago!"
O filósofo sacudiu a poeira das sandálias, pegou
no cajado, sorriu e continuou caminho rumo a Norte.
Fiquei a vê-lo partir na tarde de âmbar andando
sobre reticências.
O vento passou transparente trazendo-me uma
instantânea lucidez.
Ainda o ouvi dizer ao longe sorrindo:
"Sic
Transit Gloria Mundi…"
*Sic Transit Gloria Mundi - expressão em Latim que
quer dizer: "Assim desfilam as glórias do mundo."
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