O Lama 3/9/2018
                                    Contos de M. Ferreira de Castro
Contos de M. Ferreira de Castro












A fila era longa no templo.

Estive três dias ali para falar com o lama.

Passei horas à chuva, dormi no chão, comi apenas pão e bebi somente água.

O meu corpo estava transido.

A minha garganta estava seca.

A minha mente estava sequiosa de sabedoria como um cervo procurando águas vivas num regato novo.

Eu queria saber o porquê das coisas serem como são.

Porquê que algumas pessoas estavam condenadas ao desastre, à doença, ao infortúnio?

Havia tanta gente dessa na minha aldeia…

Tanta gente que nascia e morria e simplesmente não sabia para que vivia…

Eu estava ali, como uma ilha, junto a uma estátua de Buda em pleno Tibete.

Eu estava ali… á três dias... passando fome à chuva bem no cume da montanha junto ao Templo do Tigre.

Uma pessoa abandonou o portão feliz.

Finalmente a minha vez chegou.

Oh felicidade!

Pude falar com o lama Rinpoche.




Vestido com o seu manto de monge, com o olhar de quem esteve décadas no cimo das montanhas da vida por sobre as nuvens, por sobre as ilusões do mundo, por sobre o impermanente mundo onde eu existia como uma gota num oceano…










"Lama Rinpoche” – perguntei – “Em que resultam as ações más? Qual é a origem de um mau karma?"



O lama sorriu. De olhos como jade verde, olhou distante para o silêncio como que ouvindo rumores de ouro, e lentamente moveu os lábios e começou a dizer-me:



"Se tirares a vida aos seres, se matares alguém numa vida anterior isso vai levar a que tenhas uma vida breve sujeita a doenças frequentes. Essa é a causa de morrerem muitos bebés recém-nascidos ou, por exemplo, é o caso de gente que tem doenças que lhes atormentam uma vida inteira, isso é resultado de terem morto e ferido outros seres vivos numa vida passada ou no passado.

Haver roubado tornar-nos-á pobres no futuro, seremos vítimas de pilhagem, de roubo e outras calamidades, ficaremos com poucas posses e os outros ficarão com elas. Por essa razão todo aquele que agora não tem dinheiro ou propriedade faria melhor em criar mérito e fazer boas obras por si mesmo do que tentar mover montanhas para se tornar rico. Se não é o nosso destino maduro sermos ricos por causa da nossa falta de generosidade em vidas passadas, nenhuma quantidade de esforço nesta vida ajudará. Roubar, visto a longo prazo, no futuro, tem um efeito contrário ao desejado, não se enriquece, leva antes à pobreza e à desgraça.

A má conduta sexual fará com que tenhamos um cônjuge que não vai ser atraente e que se vai comportar de forma hostil e negligente. Na verdade estamos a experimentar o efeito na causa resultante da má conduta sexual no passado.

Mentir leva a que sejamos frequentemente criticados e menosprezados no futuro. As pessoas, além disso, irão mentir-nos. Seremos falsamente acusados e criticados por termos contado mentiras no passado.

Semear a discórdia faz com que os nossos associados e empregados se dêem mal connosco, discutam connosco e se zanguem entre eles. A pessoa está apenas a colher o fruto da sua discórdia que ela própria semeou no passado.

Palavras duras ditas em vidas passadas ou no passado dão origem a que tudo o que nos seja dito seja ofensivo ou insultuoso, tudo o que dissermos provocará disputas.

Falar palavreado vão, estéril, dá como consequência o não termos peso algum naquilo que dissermos no futuro, faltar-nos-á toda a resolução e autoconfiança. Ninguém acreditará em nós mesmo quando dissermos a verdade. Não teremos confiança em nós próprios quando falarmos diante dos outros.

Ter cobiça do que é alheio vai dar origem no futuro a que tenhamos sempre a frustração daquilo que mais desejamos e ocasionar as circunstâncias que menos queremos.

Desejar mal aos outros vai dar origem a vivermos num medo constante e no sofrimento de danos.

Ter visões falsas da realidade faz com que persistamos em crenças prejudiciais, a nossa mente será perturbada pelo engano e por conceções falsas…"



Fiquei perplexo.

Tudo aquilo fazia sentido em coisas que já vivi e em coisas que já vi acontecer nas outras pessoas.



"Venerável Mestre" - disse-lhe com palavras suaves - " Pode explicar quais são as consequências dos nossos atos no futuro? Como posso ter um Karma bom no futuro?"

Sentado no seu pequeno trono, vestido de amarelo, com os olhos brilhando como jade, o mestre Rinpoche começou a falar, melhor que o silêncio dourado:



"Amigo, o karma baseia-se numa simples ideia: Assim como fizeres acharás.

Vou-te explicar as consequências resultantes dos nossos bons atos, vou-te dizer o karma futuro de certos atos:

Se renunciares a matar e se protegeres as vidas dos seres vivos, terás como consequência no futuro uma vida longa com poucas doenças...

Se renunciares de te apoderares do que não te foi dado e praticares a generosidade, terás como consequência no futuro a prosperidade e ficarás livre de inimigos e ladrões.

Se abandonares a má conduta sexual e seguires as regras da disciplina, terás como consequência no futuro uma parceira atraente e terás poucos rivais.

Se renunciares a mentir e contares a verdade, isso dará origem ao louvor e ao amor dos outros a ti.

Se deixares de semear a discórdia e reconciliares as partes em disputa, terás como consequência um respeitoso círculo de amigos e de servidores.

Se abandonares as palavras duras e falares agradavelmente, terás como consequência no futuro a boa sorte de ouvires apenas discursos agradáveis.

Se puseres fim ao palavreado inútil e recitares orações, isso vai dar origem a que as pessoas passem a ouvir-te e a ter consideração pelo que dizes.

Se renunciares à cobiça e aprenderes a ser generoso isso vai dar origem à realização dos teus desejos.

Se abandonares o desejar o mal aos outros e cultivares o desejo genuíno de os ajudar, isso vai dar origem a que no futuro sejas livre do mal.

Se abandonares as visões falsas, por exemplo o niilismo ou o eternalismo, e fores pelo justo caminho do meio, isso vai dar origem ao crescimento de uma visão reta na tua mente.

Se insistires nestas boas ações isso vai fazer com que nasças em lugares dotados de todas as mais perfeitas circunstâncias.

Terás uma boa vida futura.

Se multiplicares estas boas ações isso vai dar origem a uma boa fortuna ininterrupta…



É assim amigo, nada é por acaso, o acaso não existe, existem sim frutos que se colhem depois das sementes plantadas.

Se semeias sementes boas, em pensamentos, palavras e ações físicas, recebes como consequência frutos bons no teu campo de cultivo, na tua vida.

Se semeias sementes más, em pensamentos, palavras e ações físicas, recebes como consequência os frutos do sofrimento que explicam muitos dos horrores diários a que assistimos à nossa volta…"



"Obrigado mestre Rinpoche…"



Fiz-lhe uma vénia e saí do templo rapidamente.

Ao sair pelos jardins junto ao Templo do Tigre, ainda pensei:



"Nada é por acaso… Estes lamas estão á milénios a estudar estas coisas. Tenho a viva intuição de que tudo isto faz sentido."



E, sorrindo no meu interior, desapareci de cena por entre as nuvens finas da montanha…



Afinal, se a vida é um sonho, que seja um sonho bom…





















Comentários

  1. Parabéns adorei ler seus livros continua escrevendo pois vc é um ótimo escritór . parabéns

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares deste blogue