Artigo de . ' . Raphael




Inteligência Artificial – que desafios?

Na sequência deste início de século XXI, muitas são ainda as questões levantadas pela Inteligência Artificial e os seus usos. Uma das questões que mais nos preocupa tem uma relação direta com a perda ou não de empregos. Que futuro existe para a empregabilidade relativamente ao uso que hoje se faz da Inteligência Artificial? Iremos assistir a uma revolta contra a máquina como por vezes assistíamos no século XIX? Que necessidades novas serão criadas com o estilo de vida cyborg a que nos estamos a habituar, usando como forma de vida cada vez mais apêndices artificiais “insubstituíveis”? De que novas artificialidades serão feitas as necessidades das pessoas ao longo deste século?

Estas questões, a par da perda gradual da afetividade humana gerada pelo uso em massa das novas tecnologias, vieram gerar receio, receio esse que já estava criado com a vigilância massiva dos novos sistemas de segurança e também com a manipulação dos dados das pessoas feita abusivamente à revelia da ética e dos direitos individuais constitucionalmente garantidos.

A obsolescência programada de muitos dos produtos da Inteligência Artificial e o consumismo desenfreado que a partir daí se desenvolve e se alimenta de mais e mais inovações é outra questão que deveria ser refletida também neste mundo cada vez mais “marketizado” e massificado. As dependências geradas pela tecnologia em alguns casos podem ser até patológicas, existem mesmo casos degradantes que atentam contra o bom senso e o bom gosto e que têm vindo a aumentar neste século pleno de Inteligência Artificial.

Estudiosos vieram a público denunciar a influência funesta dos logaritmos programados em sistemas bancários que, por serem desfasados da prudência e das boas práticas humanas, foram responsáveis, por exemplo, pela crise de 2008, de funestas consequências para o mundo.

Esta utopia tão romanceada de um novo mundo tecnológico futurista pleno de maravilhas veio em certa medida mostrar uma outra face, uma face distópica pois, nas mãos da ganância dos poderosos, dos interesses económicos e políticos instalados, essa utopia relembra os tempos dos poderosos carteis e dos trusts que desembocaram, por exemplo, na célebre crise de 1929.

Estuda o passado se queres prever o futuro, dizia Confúcio, então quando vemos seres humanos usados como máquinas, manipulados por um conhecimento que os aliena e não os liberta integralmente, como já defendia Francis Bacon ao refletir sobre os perigos da ciência, assistimos a toda uma concepção utilitária e funcional da psicologia social que programa humanos levando-os a um ritmo maquinal, mecanizado, standartizado que está bem fora do ritmo biológico, natural, e onde tudo se programa, até o cérebro, as rotinas, os movimentos, os costumes, em métricas exaustivas…

As bolhas de realidade criadas pelas redes sociais nas pessoas mais vulneráveis e sem cultura é outro dos perigos que esta revolução da inteligência artificial veio criar. O uso do marketing como panaceia para todos os problemas, as montagens falsas da realidade encenadas para mostrar lados convenientes da verdade, todo um mundo da imagem e da sugestão que inaugura muitas vezes ainda mais ilusões, frivolidades, recados políticos e económicos e inutilidades, criando necessidades que se vão tornando obsoletas com o tempo para serem reinauguradas por outras cada vez mais efémeras e líquidas, as modas ilusórias, como defendia bem o sociológico Zygmunt Bauman.

O que podemos dizer então das desigualdades que foram desta forma criadas pelo uso da Inteligência Artificial onde existe um primeiro mundo tecnológico que cede uma trela aos outros mundos monopolizando meios, técnicas e saberes, concentrando tudo em grandes empresas tecnológicas que têm em si mesmas mais informações sobre os cidadãos do que mesmo alguns Estados soberanos nos seus próprios países? Dispondo e ditando as regras sem a saudável concorrência por perto, essas autênticas agências de publicidade gigantescas geradas com o fim único de viciar-nos no seu uso fazendo com que desembolsemos fidelissimamente nelas as nossas crenças e pecúnios.

Que consequências têm estes factos para o pulsar da vida das pessoas?

Que sentido trazem?

Caminharemos para mais efemeridades?

Iremos em direção da satisfação de mais desejos vãos?

Porque estão fora deste jogo os infoexcluídos e os desafortunados da sorte?

Assistimos muitas vezes a uma evidência, a de que o sentido deste caminho vai muitas vezes mais ao encontro do culto do lucro e no persistir insistente da sociedade do espetáculo, já prevista por Guy Debord, onde pouco ou realmente nada se traça como rumo progressivo orientado para um verdadeiro serviço de esclarecimento e de ação para o bem comum da Humanidade, que a desenvolva integralmente, de forma inteira, como afirmava Fernando Pessoa. Parece que ficam apenas torrentes de informação e estilhaços líquidos na concentração das pessoas de mente intermitente.

E o que podemos dizer quando falamos dos grupos criados em redes sociais com posições cada vez mais exclusivistas e extremadas, até mesmo com laivos e violências carregadas de intolerância e de ódio?

O que observamos, em muitos dos comentários dessas redes, nas falsas informações que muitas vezes são prestadas, nesse clima de denúncia aviltante, até mesmo de censura e de demagogia populista?

Para onde nos levará a questão da veracidade da informação que nos é veiculada em doses industriais? Levar-nos-á para um apelo pueril consumista emocional de mais um espetáculo voyeurista? Esse espetáculo feito de três verbos: assiste consente e paga. Como lidar com o explorar subliminar da montanha russa das emoções? O que fazer se o critério de todo este jogo é somente a procura do agrado, dos likes e do aplauso fácil dos grupos alvo segmentados que são devidamente explorados por quem quer e cria essas realidades segundo programas de interesses miniaturizados?

Aonde fica então o papel da filosofia quando falamos de inteligência artificial?

Que valores deverá de facto essa Inteligência Artificial servir?

Que debates e que esclarecimentos deverá a filosofia suscitar para impedir que toda esta correnteza esbarre contra a ética, a dignidade e os elementares direitos humanos?

Serão os direitos humanos e espirituais salvaguardados sempre que falamos de Inteligência Artificial?

Já sabemos dos efeitos que ela tem em estados totalitários, hoje, tal como nos tempos mais sinistros para as liberdades, é possível alguém saber com precisão que livros compramos, por onde andamos, o que gostamos, os nossos dados biomédicos, os nossos dados financeiros, as nossas mensagens, os nossos emails, as nossas chamadas telefónicas, podemos ser filmados, a nossa privacidade pode ser invadida a qualquer momento por qualquer pirata dos mares informáticos de perfídia e da burla…

Pensávamos nós que esses tempos estariam já á muito enterrados no passado…

O que podemos fazer então neste estado de coisas se hoje as escolas não têm educadores designados especificamente para analisar os média e as tecnologias em conjunto com os mais jovens como tem a Suécia por exemplo?

Critérios de engenharia informática não informados pelos valores da ética e pelas Humanidades podem criar monstruosidades como por exemplo os vírus informáticos, os apagões súbitos, o agendamento de encontros sociais através de pagamento, os casinos online, a pornografia, a dark web, o spam abusivo, etc, tudo isto dentro de autênticas máquinas e redes tecidas e pensadas para criar fieis (fidelizações), lucros rápidos e crentes (seguidores) fazendo jus uma autêntica cultura da trela, já não baseada só na genética mas na adesão irrefletida a demogogos e a populistas que discutem a verdade e a mentira como se tudo isso fosse apenas uma questão de argumentação, de opinião fácil, de chacota ou apenas de força de convicção para convencer…

Qual é a responsabilidade social imputada hoje às pessoas que criam a Inteligência Artificial?

A lei da proteção de dados veio suavizar um logro que estava a ser perpetrado à revelia das consciências das pessoas que de bom grado cediam os seus dados e confiavam na boa vontade das empresas… Mas essas pessoas, vistas bem as coisas, cediam os seus dados para quê, no fundo, e com que finalidades esses dados iriam ser usados? Muitas dessas finalidades eram obscuras a até sinistras…

Porque quem cria a Inteligência Artificial é o homem  ou um grupo deles, à imagem da sua mente, da sua lógica, do que ele é ou do que é o grupo em si ao nível das intenções que tem, mas estarão bem escrutinados de facto os fins das suas criações, a sua utilidade real terá um verdadeiro sentido?

A nosso ver falta uma verdadeira interdisciplinaridade na concepção dessas inteligências artificiais, uma verdadeira visão ética global verdadeiramente humana dirigida para o progresso do bem comum visto de uma forma filantrópica integral e íntegra e não para uma utilidade meramente comercial e lúdica inserida em modas passageiras.

Estas são algumas reflexões que podemos fazer sobre a inteligência artificial nos dias de hoje, vistas pelo lado dos seus desafios, entre muitas que se podem fazer, as quais a filosofia deverá ter uma palavra refletida a dizer de modo a criar as defesas necessárias ao ser humano integral que evolui dentro de mundos a progredir, não a regredir, cocriando-os. Esta posição mundividente, imbuída de cultura humana, de sadia e franca experiência, deverá potenciar com os seus ideais fraternos, progressistas e universalistas, algo que deverá ser acima de tudo uma pedra atirada no charco das ilusões com que hoje muitos dos nossos irmãos e irmãs em desenvolvimento se deparam nestes inícios atípicos de um novo século, chamado de “o novo normal” onde habita muitas vezes o homo demens… O que se quer é uma maior promoção da fraternidade universal e acima de tudo de rigor, de serviço em prol de quem perdeu á muito este comboio veloz rumo a parte incerta…

 

. ' . Raphael 

Artigo do autor patente na Revista Rosacruz de Janeiro, Fevereiro e Março de 2021 (excerto)



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